domingo, julho 30, 2006

foto: Oceanário de Lisboa

O LADO BOM DA SAUDADE
(João Monge/Luis Represas)

Talvez o vento
Talvez as marés
Talvez o jeito
De seres como és
Fossem as ondas
A bater baixinho
Lá onde o mar faz o ninho

Estavas na praia
Os gestos discretos
Eram mistérios
De outros alfabetos
Puseste a mesa
Deste-me um lugar
E eu acabei por ficar

Não sei que nome te dar
O teu nome verdadeiro
Menina de olhar o mar
Saudades do mundo inteiro

Tu sorrias
E eu fui ficando
Por mais uns dias
(nem me lembro quando)
Contei-te historias
De tudo o que passei
E outras que eu inventei

Juntaste as mãos
Á frente do peito
Disseste adeus
Não perdeste o jeito
De me dizer
Que a eternidade
É o lado bom da saudade

Luis Represas no álbum «Código Verde»

terça-feira, julho 18, 2006


Foto: Vale de Milhaços

Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.

Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.

Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.

Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.

Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.

(...)

Alberto Caeiro

segunda-feira, julho 03, 2006


foto: Lisboa, Graça

Eu
Florbela Espanca

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...

Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino, amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!

Aconselho vivamente a audição deste poema na lindíssima voz da Ana Laíns que tão o bem interpreta na forma de fado. A encontrar no seu álbum de estreia "Sentidos".