quarta-feira, agosto 31, 2005
terça-feira, agosto 30, 2005
sábado, agosto 27, 2005
sexta-feira, agosto 26, 2005
Não ser
Ah! arrancar às carnes laceradas
Seu mísero segredo de consciência!
Ah! poder ser apenas florescência
De astros em puras noites deslumbradas!
Ser nostálgico choupo ao entardecer,
De ramos graves, plácidos, absortos
Na mágica tarefa de viver!
...
Quem nos deu asas para andar de rastos?
Quem nos deu olhos para ver os astros
- Sem nos dar braços para os alcançar?!...
Florbela Espanca
quinta-feira, agosto 25, 2005
quarta-feira, agosto 24, 2005
foto: Porto
Às vezes, em dias de luz perfeita e exacta,
Em que as coisas têm toda a realidade que podem ter,
Pergunto a mim próprio devagar
Porque sequer atribuo eu
Beleza às coisas.
Uma flor acaso tem beleza?
Tem beleza acaso um fruto?
Não: têm cor e forma
E existência apenas.
A beleza é o nome de qualquer coisa que não existe
Que eu dou às coisas em troca do agrado que me dão.
Não significa nada.
Então porque digo eu das coisas: são belas?
Sim, mesmo a mim, que vivo só de viver,
Invisíveis, vêm ter comigo as mentiras dos homens
Perante as coisas,
Perante as coisas que simplesmente existem.
Que difícil ser próprio e não ser senão o visível!
Alberto Caeiro
terça-feira, agosto 23, 2005
foto: Lagoa de Albufeira
Súplica
Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.
Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.
Miguel Torga
segunda-feira, agosto 22, 2005
foto: Porto
Abre a tua porta não tenhas medo,
Tens o mundo inteiro à espera para entrar.
Sorriso no rosto, talvez um segredo
Alguém te quer falar
«« »»
Deixa o mundo girar para o lado que quer
Não o podes parar, nem tens nada a perder
Estás de passagem.
Não o leves a mal, que o mande avançar
Talvez seja um sinal que não o podes parar
Estás de passagem
(para outro lugar)
«« »»
Vai a onde queres.
Sê quem tu quiseres.
Estende a tua mão.
A quem vier por bem.
Tens o mundo inteiro à espera para entrar.
Sorriso no rosto, talvez um segredo
Alguém te quer falar
«« »»
Deixa o mundo girar para o lado que quer
Não o podes parar, nem tens nada a perder
Estás de passagem.
Não o leves a mal, que o mande avançar
Talvez seja um sinal que não o podes parar
Estás de passagem
(para outro lugar)
«« »»
Vai a onde queres.
Sê quem tu quiseres.
Estende a tua mão.
A quem vier por bem.
«Deixa o mundo girar» - Pólo norte
domingo, agosto 21, 2005
sábado, agosto 20, 2005
foto: Em minha casa
«Nas utopias que até hoje se imaginaram faltou sempre imaginar o que aconteceria depois. Que se imagine uma vida em que se realizasse tudo o que se desejasse. Alguma coisa faltaria ainda em tudo em que já não faltava, e não saberiamos o quê. É isso que não sabes que é fundamental.»
Vergilio Ferreira
«Nas utopias que até hoje se imaginaram faltou sempre imaginar o que aconteceria depois. Que se imagine uma vida em que se realizasse tudo o que se desejasse. Alguma coisa faltaria ainda em tudo em que já não faltava, e não saberiamos o quê. É isso que não sabes que é fundamental.»
Vergilio Ferreira
sexta-feira, agosto 19, 2005
quinta-feira, agosto 18, 2005
foto: Da janela da minha casa
Vestígios
noutros tempos
quando acreditávamos na existência da lua
foi-nos possível escrever poemas e
envenenávamo-nos boca a boca com o vidro moído
pelas salivas proibidas - noutros tempos
os dias corriam com a água e limpavam
os líquenes das imundas máscaras
hoje
nenhuma palavra pode ser escrita
nenhuma sílaba permanece na aridez das pedra
sou se expande pelo corpo estendido
no quarto do zinabre e do álcool - pernoita-se
onde se pode - num vocabulário reduzido e
obsessivo - até que o relâmpago fulmine a língua
e nada mais se consiga ouvir
apesar de tudo
continuamos e repetir os gestos e a beber
a serenidade da seiva - vamos pela febre
dos cedros acima - até que tocamos o místico
arbusto estelar
e
o mistério da luz fustiga-nos os olhos
numa euforia torrencial
Al-Berto «Horto de Incêndio»
quarta-feira, agosto 17, 2005
foto: Sesimbra
de estrela do mar, de céu, de lua cheia,
de garça perdida na areia.
Anoiteceu no meu olhar,
perdi as penas, não posso voar,
deixei filhos e ninhos,
cuidados, carinhos, no mar...
Só vei voar dentro de mim
neste sonho de abraçar
o céu sem fim, o mar, a terra inteira!
E trago o mar dentro de mim,
com o céu vivo a sonhar e vou sonhar até ao fim,
até não mais acordar...
Então, voltarei a cruzar este céu e este mar,
voarei, voarei sem parar á volta da terra inteira!
Ninhos faria de lua cheia e depois,
dormiria na areia...
Dulce Pontes
terça-feira, agosto 16, 2005
As palavras
São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.
Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.
Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.
Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?
Eugénio de Andrade
foto: Porto 2005
Flor no Peito
As mãos abrandam sobre o corpo
faz-se noite em segredo
na pele
difícil distinguir-te os contornos
mesmo de tão perto
apetece-me agora abocanhar a tua nudez
enquanto exala um perfume dessa flor
que seguras no peito
vermelha flor
não é sangue
apenas Amor
Ana Caeiro in «Segredos da Gaveta»